Biossíntese[2] é uma área de conhecimentos psicoterapêuticos sistematizada por David Boadella, um psicoterapeuta inglês, hoje radicado em Heiden, na Suíça.

Os inícios da Biossíntese coincidem com as primeiras aproximações do seu criador com a psicoterapia no decorrer dos anos cinqüenta. Porém, a área de conhecimento ganhou sua denominação atual em torno de 1975, quando seu criador assim a batizou.

O que tema da Biossíntese tem a ver com psicoterapia iniciática?

Acreditamos que tudo.

Biossíntese é uma psicoterapia que atua nos níveis do ser humano do ser humano onde a energia se move ou se bloqueia, tendo em vista possibilitar, com sua reordenação, o contato fundamental com o Cor, com o Âmago. A Biossíntese, com seus recursos psicoterapêuticos, “inicia” o cliente no caminho do contato com o Self.

A Biossíntese compreende e trabalha terapeuticamente com o ser humano na perspectiva de restaurar e estimular os seus fluxos energéticos vitais e, para delimitar o seu modo de trabalhar terapeuticamente, utiliza-se da compreensão dos “Campos da vida Humana”[3], que aparecem no diagrama abaixo. No caso, o diagrama apresenta uma chave para a compreensão e atuação do terapeuta; define e configura sinteticamente os campos da experiência humana.

O diagrama pode ser lido de diversas maneiras. Inicialmente, pelas camadas circulares, em número de três, sendo que a primeira representa nossa experiência mais externa, nossas relações que tem por base nossas máscaras, nossos mecanismos de defesa congelados em nossa musculatura; a segunda camada mostra nossas qualidades mais verdadeiras e mais próximas do centro, de nossa essência, daquilo que verdadeiramente somos (na medida em que nossos mecanismos de defesa são flexibilizados, nossas qualidades mais verdadeiras vêm à tona); a terceira camada, a mais interna, representa nossa essência, nosso Cor, nossas qualidades mais profundas. Essa compreensão das camadas vem de Whilhelm Reich, de quem David Boadella é um estudioso e desdobrador.

gr

Em segundo lugar, o diagrama pode ser visto pelas camadas horizontais, também, em número de três: a inferior relativa ao corpo, composta pelos campos 1 e 2; a intermediária relativa à personalidade, refere-se aos fatores emocionais, e é composta pelos campos 3 e 4; a superior, composta pelos campos 5 e 6, relativa à experiência simbólica, onde estão presentes as crenças, os símbolos, os valores do imaginário, da mente. Evidentemente que as distinções entre as camadas, neste diagrama, são exclusivamente didáticas. O ser humano funciona como um todo corpomente, onde corpo, emoções e o imaginário operam conjunta e integradamente.

Pode ser lida, ainda, verticalmente. No caso, o lado esquerdo do diagrama expressa o interpessoal, expressando nossas relações com o mundo exterior e com as pessoas, nos níveis do corpo, da vivência emocional e das experiências do simbólico. O lado direito do diagrama expressa a experiência intrapessoal, nossas interações conosco mesmos, tendo como referência o corpo, a personalidade e o imaginário.

Na primeira camada, tomando-se a direção de fora para dentro, onde estão expressos nossos modos de ser mais externos, podemos observar configurações específicas quando ao corpo (parte inferior do diagrama), à vida emocional (parte intermediária) e às crenças (parte superior do diagrama). São áreas de trabalho direto e imediato, pois que são os mais visíveis e observáveis.

Os campos 1 e 2 representam as experiências somáticas; o 1 tem a ver com a “sobrecarga ou a subcarga energética”, na relação interpessoal, manifesta na estrutura do corpo e na massa muscular; o 2 traz a questão da “respiração hipercontrolada ou caótica”, na relação consigo mesmo, intrapessoal, portanto não saudável.

Os campos 3 e 4 tem a ver com a estrutura da personalidade; o 3 define os padrões de relacionamentos com o outro (interpessoal), que podem ser, opostamente, de “privação ou de invasão”; o 4 delimita os padrões de relacionamento consigo mesmo (intrapessoal) de “repressão ou de explosão”.

Os campos 5 e 6 referem-se aos níveis da experiência simbólica, sendo que o 5, no que se refere à relação com o outro (interpessoal) expressa a “linguagem confusa ou defensiva” e o 6, na relação consigo mesmo, expressa o imaginário “restritivo” (crenças errôneas e impeditivas).

A segunda camada de nossa psique tem a ver com as emoções e sentimentos, é mais verdadeira e sadia, por isso intermediária entre nossas máscaras e nossa essência.  Ë a camada que expressa o esforço de conhecermos e reconhecermos o que somos e ainda como somos para administrar nossa vida de um modo mais saudável.

Os campos 1 e 2 referem-se ao corpo: o primeiro, interpessoal, representando os “impulsos naturais de movimento” e, o segundo, intrapessoal, ao “ritmo centrado de respiração”.

Os campos 3 e 4 referem-se à personalidade: o campo 3 refere-se ao relacionamento com o outro (interpessoal) como “contato e diálogo” e o campo 4 refere-se ao relacionamento consigo mesmo (intrapessoal) e se expressa pela “clareza emocional”.

Os campos 5 e 6 referem-se as nossas crenças e nossos símbolos: correspondentemente, linguagem conectada, na relação com o outro (interpessoal) e imaginário criativo, na relação consigo mesmo (intrapessoal).

A terceira camada refere-se a nossa Essência, ao nosso verdadeiro centro, nosso Self, nosso Cor, nossa qualidade mais profunda.

O trabalho terapêutico da Biossíntese tem por objetivo iniciar desbloqueando as constrições corporais, reorganizar a personalidade e clarear crenças errôneas de cada um de nós, conseqüentemente, possibilitando a cada ser humano o ingresso na segunda camada da nossa psique, que é mais verdadeira e saudável que a primeira, tendo em vista possibilitar o contato com o Centro.

A Biossíntese assume que podemos atuar nas camadas externa e intermediária devido estarem compostas por realidades energéticas, que, por si, permitem uma “manipulação” psicoterapêutica, mas que no que se refere à Essência, ao Âmago, nada podemos fazer como atuação psicoterapêutica, na medida em que o Centro É; com Ele somente podemos fazer contato. A psicoterapia prepara o campo para que o contato com a Essência se faça possível.

Para proceder a atividade terapêutica nas camadas externa e intermediária, tendo em vista criar as condições para o contato com o Cor, a Biossíntese opera com os recursos que estão apresentados a seguir, seguindo o modelo dos “Campos da Vida Humana”:

campo 1: trabalho motórico com o tônus muscular e com movimentos expressivos;

campo 2: trabalho energético com os ritmos de respiração vital e sutil;

campo 3: trabalho com ressonâncias e interferências no campo do relacionamento interpessoal;

campo 4: trabalho com o espetro de contenção e liberação relativo à expressão da emoção;

campo 5: trabalho para limpar e clarear nossa linguagem de suas distorções comunicativas;

campo 6: trabalho transformativo sobre as crenças restritivas, que limitam nossa visão do mundo e da realidade;

campo 7 — área central do diagrama,  contato com a voz do coração, através da percepção sutil. Em contato com o Cor, nos aproximamos dos níveis sutis da experiência; contactamos o ground interior, as qualidades básicas do nosso ser.

Deste modo, o trabalho psicoterapêutico, proposto pela Biossíntese, integra as várias áreas do ser humano — sensorial (corpo), da personalidade (emocional), das crenças (experiência do imaginário) — e, conseqüentemente, suas diversas dimensões — corporal, emocional, mental e espiritual, de tal forma que se torna possível o contato com o Self.

A intenção do trabalho em Biossíntese é possibilitar ao ser humano integrar-se na sua experiência pessoal e social, de tal forma que possa viver bem consigo mesmo e com os outros dentro dos parâmetros da verdade, do respeito de si mesmo, do respeito ao outro, da convivência solidária, do ser. Para isso, importa possuir um corpo sadio, uma personalidade integrada e crenças claras. A Biossíntese não manipula o contato com o Âmago, mas trabalha para que o cliente, reorganizando suas energias corporais, emocionais, mentais e espirituais, entre em contato com Ele, entre em contato consigo mesmo, no seu mais profundo significado dessa afirmação..

O que essa compreensão da Biossíntese tem a ver com “iniciático”? Iniciático, como vimos acima, tem a ver com “iniciação”, que é um caminhar em direção ao crescimento permanente na busca de si mesmo, que expressa a qualidade que cada um veio ao mundo para exercer. Entrar em contato com o Cor, com o Âmago, é entrar em contato com a nossa qualidade mais essencial e mais profunda. É a partir dela que podemos compreender e orientar a nossa vida de um modo mais saudável e, por isso mesmo, mais pleno.

A Biossíntese não se propõe a fazer nada com o Self de cada um.

Propõe-se simplesmente a ajudar o cliente a reordenar sua energia, de tal forma que possa fazer contato com sua Essência, reconhecendo-a como seu recurso fundamental de vida. Assim sendo, a Biossíntese, ciente do que é o Cor, somente se propõe a ajudar o cliente a reordenar sua energia nas camadas externa e intermediária, para que, então, por si mesmo, possa entrar no tempo do seu próprio ser; possa fazer sua jornada de desenvolvimento; o que quer dizer que ela, do ponto de vista psicoterapêutico, é iniciática. Propõe um caminho para o contato com o Self.

A iniciação se faz pela jornada, a “jornada do herói”. O “herói”, para fazer sua jornada, terá sempre que: a) iniciar o caminho; não há como sair para a busca sem iniciar o caminho; b)  confrontar-se com os monstros, para, então, c) atingir sua meta (salvar a princesa, buscar o fogo nas montanhas, atravessar o labirinto, vivenciar um êxtase, intuir uma poesia…); e, então, d) retornará para os seus pares com a sua preciosidade. Nenhuma etapa do caminho pode ser abolida ou obscurecida. É somente para estar a serviço de dar continência a cada cliente para que possa fazer sua própria jornada que a Biossíntese se estabeleceu e existe. Para nada mais que isso e essa é sua grandiosidade.

A Biossíntese compreende que a psique humana se expressa por um espectro de facetas — o corporal, o psicológico e o espiritual —, compondo um todo em funcionamento harmônico, somente rompido pelas múltiplas experiências restritivas na vida de cada um de nós: sustos, medos, abusos, traumas, desqualificações, etc… E compreende também que, para que possamos viver da melhor forma que nos for possível, importa restaurar o equilíbrio entre as facetas de nossa psique. E, neste caso, o corporal não pode funcionar bem sem o psicológico e o espiritual, assim como o psicológico não pode funcionar bem sem o corporal e o espiritual e, por último, o espiritual não pode funcionar bem sem o corporal e o psicológico. A atividade terapêutica (de cuidado), em Biossíntese, tem por objetivo um caminho de desenvolvimento que integre harmonicamente as três facetas do ser humano, de tal forma que uma experiência psicológica possa ser sustentada por numa base que seja corporal, psicológica e espiritualmente saudável; assim como uma experiência espiritual possa ser sustentada numa base corporal e psicologicamente saudável.

Em nossa vida, há um caminho “iniciático” a ser feito, no sentido de estar em busca da integração harmônica das facetas que expressam o nosso ser, formando um todo, com o qual nós nos colocamos a serviço da Vida, através de nós mesmos e da convivência com os outros e com o mundo ao nosso redor. As facetas não são segmentos separados do nosso ser, mas sim um todo que necessita de funcionar harmonicamente. Esse é o desejo da Biossíntese e por isso ela nos oferece um caminho iniciático de organização da nossa experiência, trabalho em preparação para o contato com a nossa Essência, com o nosso Cor. Contato que sinaliza as direções mais adequadas para a nossa vida.

Sobre Biossíntese, vale a pena ler o livro de David Boadella, Correntes da Vida: uma introdução à Biossíntese, São Paulo, Editora Summus, 1992. Nesse livro existem preciosas indicações sobre integração corpo, mente e espírito e sobre os processos de restauração dos desequilíbrios corporais e psicológicos, que vivenciamos.

 No interesse de aprofundar estudos sobre “iniciação”, como um caminho de integração de nossas facetas — pessoal, interpessoal e transcendente —, vale à pena ler o livro de John Welwood, Em busca de uma psicologia do despertar, São Paulo, Editora Rocco, 2003.

[1] Doutor em Educação, Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação, FACED/UFBA, Terapeuta formado pelo Centro de Biossíntese da Bahia e pela Escola Dinâmica Energética do Psiquismo.

[2] Tendo em vista entrar em contato com o tema da Biossíntese, acesse http://www.biosynthesis.org  (site oficial do Centro de Internacional  Biossíntese, sediado em Heiden, Suíça) ou http://www.biossintese.psc.br (site da Escola de Biossíntese do rio de Janeiro, coordenado por Esther Frankel).

[3] O diagrama foi criado por David Boadella e publicado no Common Ground and Different Approaches in Psychotherapy, Editado por Esther Frankel, Escola de Biossíntese, Rio de Janeiro, Brasil.

Por: Cipriano Carlos Luc]kesi

Deixe um comentário